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15
Out25

Cicatrizes que Contam Histórias

por cristina mota saraiva

A Força da Rita e o Chamado à Empatia

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 "Há 21 anos, por esta hora, chegava à Cirurgia Plástica dos HUC – Hospitais Universitários de Coimbra, para fazer uma cirurgia supostamente simples… e acabou por ser o meu inferno pessoal.
O que era para ser um procedimento rápido transformou-se numa longa travessia de dor, marcada por uma infeção brutal que me levou várias vezes ao bloco operatório ao longo dos anos — e por erros médicos nunca assumidos.

Por um desses alinhamentos cósmicos que a vida gosta de traçar, faz hoje também cinco anos que estava novamente a entrar numa Cirurgia Plástica — desta vez no Hospital de Santa Maria. Fui operada por uma equipa médica extraordinária, que me devolveu a dignidade física e humana. Trabalharam com o que havia, e não era fácil. Mas refizeram tudo.
Foram centenas de horas entre cirurgias, correções, pensos e micropigmentação. Hoje, as cicatrizes continuam comigo — mas custam mais as memórias, o medo e o tempo perdido. Foram muitos anos da minha vida nisto.

Em Coimbra, o que me valeu foram as equipas de enfermagem — sempre carinhosas, pacientes, atentas às minhas febres, ataques de pânico e crises de choro. Valeram-me também os amigos que me visitaram e, sobretudo, as companheiras de luta, que mesmo em sofrimento, encontravam força para dar a mão.Este texto é da Rita Pinhão, minha companheira de cama ao lado, há 21 anos:
A Rita foi operada pouco antes de mim. Eu fui a seguir — já num estado de ansiedade enorme. Tinham passado mais de três horas. Entrei no bloco, sedaram-me e não tenho a mínima ideia de quanto tempo lá estive. Quando acordei, perdida no tempo, estava no quarto que me tinha sido destinado. A Rita estava ao lado. Ambas passámos pelo mesmo processo.

A diferença é que eu tive “sorte”. Recuperar não foi fácil, mas consegui. Ainda rebentou um ponto, houve sustos, mas passou.
O meu processo acabou bem. O da Rita teve muitas barreiras.
E é por isso que escrevo isto — porque há histórias que não podem ficar guardadas.

A Rita é o rosto de tantas pessoas que sofreram em silêncio, vítimas de erros que ficaram por assumir e de um sistema de saúde que tantas vezes se esquece daquilo que devia ser essencial: a empatia.
Não gosto muito da palavra “guerreira” — banalizou-se — mas a verdade é que a resiliência da Rita merece ser reconhecida. A sua força, o seu sofrimento e a sua capacidade de continuar merecem ser contados.

O meu processo acabou bem. O da Rita, não.
E é por isso que não podemos calar.
Os erros médicos, os maus-tratos, a falta de humanidade — tudo isso precisa ser denunciado. A saúde em Portugal precisa de um novo rumo. Os profissionais precisam de se lembrar de que do outro lado há uma pessoa frágil, vulnerável, assustada.
E as administrações hospitalares não podem, não devem, fazer tábua rasa de quem sofre.

Falo da Rita, mas podia falar de tantos outros.
De quem foi deixado à sua sorte, de quem foi empurrado para a rua — como eu própria, por ter entrado com uma scooter de mobilidade reduzida numa unidade hospitalar e sido literalmente “colocada” lá fora.

Este país precisa ser mais empático. Precisa olhar para os seus doentes como olha para os seus heróis — porque eles também o são.
A Rita talvez continue a lutar, talvez tenha encontrado paz. Não sei. Mas sei que a sua história vive em mim e em todos os que a conheceram.

As suas cicatrizes, e as de tantos outros, são marcas de dor, sim — mas também de resistência, de fé e de humanidade.
Que esta história sirva para despertar consciências.
Porque a dor, quando partilhada, transforma-se em força.
E a força, quando nasce da verdade, tem o poder de mudar o mundo.



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