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Escrever e escrever, pensar, refletir... afinal não é para isso que existem os blogs? Por aqui vão passar ideias, palavras, pensamentos... tudo o que nos der na real gana... ou não seremos "Levada da Breca".

Ambos sabíamos que não irias ficar por cá muito tempo. Era a nossa realidade, nua e crua! Por isso, antes de ires tinhas que viver. E por isso aceitei casar contigo. Aliás, fui eu que te pedi em casamento. Apenas disseste que eu merecia mais e que tu não me irias fazer feliz, irias ser um incómodo para mim…falaste, até em ser um estorvo e eu calei-te com um beijo profundo, para que percebesses !E, sim, viveste! Aliás, vivemos e quisemos viver tudo. Tudo aquilo a que tinhas direito e sabíamos que ia ser difícil viveres. O tempo não era muito! A maldita doença não ia deixar.
A Paramiloidose, vulgarmente conhecida por “Doença dos Pezinhos” é uma doença degenerativa. Manifesta-se, normalmente entre os 25 e os 35 anos. Tu tinhas 29anos. Já tínhamos assumido a relação e eu tinha perfeita consciência do que ia acontecer/ou não ia... E desde sempre que sabia que te devia proporcionar tudo. E pelo menos tentei!!
Levei-te a sítios de sonho. “Caminhamos” (eu caminhei por ti, enquanto empurrava a cadeira) e fomos aos locais que sempre falámos que íamos. Na Islândia amámo-nos ao som de uma cascata, e debaixo dela, sozinhos, os outros lá mais abaixo. Nós e a cascata. Ninguém deu por isso… ou fez que não deu.
Na Normandia… descemos a rampa e quase escorreguei… para segurar a cadeira… depois, com a minha ajuda fomos até às rochas e aí não resisti às tuas investidas e pronto. A areia estava molhada e aquele belíssimo monumento na Praia de Omaha Beach foi a única testemunha do nosso amor. Poderia enumerar muitos outros locais… no México, na Grécia… mas aquilo que ressalta é para sempre a nossa ligação, o que nos unia. E nem umas pernas frágeis e uma cadeira de rodas foram suficientes, para estorvar o nosso amor. Onde quer que fosse! Com obstáculos, com impedimentos, com barreiras, com escadas, mas sempre com uma forte ligação, visceral, até. O termo pode não ser o mais bonito, ou romântico, mas era o que sentia.
E à medida que o tempo passava, mais intensa era a nossa relação. Até que chegou a altura de partires. E antes de ires, eu nunca desisti . Fiz questão de transformar o quarto do andar superior numa quase enfermaria. Arranjei enfermeiros, cuidadores, tudo para que te sentisses bem, na tua casa. Felizmente que a nossa condição económica o permitia. E dei-te tudo, dei-me tudo! E tenho a certeza que te fiz feliz. E por isso, antes de ires, fizeste questão de me agradecer e fazer-me prometer que iria continuar a minha vida. E mesmo sabendo que ia ser muito difícil, eu disse-te que sim. Sabias que eu não era de quebrar promessas e sossegaste. Quando já estavas em agonia, voltaste a recordar a promessa. E mesmo antes de ires voltaste ao tema, eu continuei a prometer que ia cumprir a promessa, pediste-me um beijo. Eu acedi e abraças-te-me. De repente, senti o abraço maus frouxo. Olhei-te, estavas com um sorriso. Partiste abraçado a mim. Antes de ires fizeste questão de me mostrar que ficarias eternamente!

Quando alguém como Cristiano Ronaldo passa por um mau bocado, quando pela primeira vez precisa de tempo, de compreensão, de aplausos, é certo e sabido que uma parte da humanidade lhe irá cair em cima como uma hiena faminta.
Cristiano Ronaldo geriu mal os últimos meses da sua carreira.
Cometeu alguns erros que tornaram o seu caminho mais estreito. Acreditou que o seu estatuto, que tudo aquilo que conquistara, seria suficiente para o proteger em caso de tempestade. E talvez tenha acreditado (admito e compreendo) que é um deus-humano, que a sua capacidade física não o atraiçoaria, que continuaria a marcar muitos golos e a ser incontestável.
Cristiano foi fortemente ingénuo.
Se não o fosse saberia que o preço a pagar por se ser grande é proporcional quando se deixa de ser o que as pessoas estão habituadas.
Para o ser humano não há nada de mais orgástico do que um poderoso de cócoras. Quando tal acontece, quando alguém como Cristiano Ronaldo passa por um mau bocado, quando pela primeira vez precisa de tempo, de compreensão, de aplausos, é certo e sabido que uma parte da humanidade lhe irá cair em cima como uma hiena faminta.
O que está a acontecer a Cristiano Ronaldo é chocante.
O que tenho lido e ouvido, mesmo em Portugal, é de uma insensibilidade que assusta.
De repente, o homem já não tem lugar na seleção portuguesa. É um obstáculo ao grupo, um vírus que impede que os outros grandes jogadores portugueses se possam afirmar.
De repente, a grande culpa de Fernando Santos não é a sua incapacidade de gerir o talento que tem à disposição, mas a sua cobardia por não o tirar da equipa.
De repente, no Manchester United, não sai do banco de suplentes porque um treinador menor cuja única façanha foi treinar o Ajax, acha hipocritamente que o deve respeitar não o sujeitando a uma humilhação.
É um momento decisivo na vida de Cristiano Ronaldo. Pela primeira vez precisa de um abraço de um mundo que sempre fez questão de o amparar, mas pela primeira vez esse abraço não chega.
O mundo fala do seu ego.
O mundo fala dos seus erros.
O mundo fala da sua vaidade, mais dos carros desportivos, das joias e das casas espalhadas pelo mundo.
Não do resto.
Do miúdo que se fez a si próprio e conquistou o mundo pelo mérito. Não das cinco bolas de Ouro. Não de ser o melhor marcador de golos da história do futebol. Não de caminhar para ser o mais internacional de sempre. Não das cinco ligas dos campeões.
E não pela sua história de vida.
Pelo menino que chegou a Alvalade com 12 anos carregado de sonhos e sofrimento.
Pelo menino que tanto chorou pelo alcoolismo do pai. Por tê-lo visto tão poucas vezes sóbrio.
Pelo menino que cresceu sem nunca ter bebido uma cerveja que fosse, o menino que a partir das dificuldades se ergueu.
Pelo menino, depois homem, depois deus, que nunca desamparou a família, que quis que a sua mãe fosse uma princesa, que nunca teve vergonha das suas raízes.
Pelo jogador que chegou ao topo dos topos, mas que nunca deixou de estar presente nos jogos da seleção nacional.
O génio que continuou sempre a chorar quando perdia por Portugal. O nosso Cristiano que nunca deixou de fazer a sua parte, e tantas vezes anonimamente, para que hospitais, associações e pessoas que precisam pudessem ter ajuda.
Cristiano Ronaldo merece o nosso abraço.
Merece que o amparemos.
Merece que não sejamos ingratos.
Ele precisa de Portugal.
Como Portugal ainda precisa dele.
Do que é, do que conquistou e do modo como o fez.
Um povo sempre tão cheio de medo de existir terá sempre de ser grato a alguém que nos provou que não somos inferiores a ninguém.

Obrigado, Cristiano.
Obrigado por tudo.
E também, antecipadamente, obrigado pelos golos que ainda não marcaste.
Os que ainda não festejámos.
𝗟𝘂í𝘀 𝗢𝘀ó𝗿𝗶𝗼 / Arena Desportiva